Como lidar com emoções incômodas em ecossistemas de notícias tão violentas?

Published on março 28, 2025 by The Engine Room

Por Gisel Sánchez de Vita Activa

Você tem sentido repulsa ultimamente quando entra nas redes e vê que tudo é violência, conflito e agressão? Talvez, como eu, você fuja das plataformas (com muito esforço) com a sensação de que tudo é terrível, que nada faz sentido, que não há fontes confiáveis e que vale tudo.

Especialmente se falamos de conteúdo noticioso, não apenas expressamos desconfiança como público, mas também desenvolvemos diretamente uma aversão ao abordar esse tipo de conteúdo. Tendemos a evitá-los porque geram ansiedade, mau humor e uma sensação de impotência e desesperança, que só traz culpa ou tristeza para nossas rotinas.

Agora imagine: como é a vida de quem, além de usar as plataformas para fins pessoais, tem que noticiar conflitos e controvérsias globais 24 horas por dia, 7 dias por semana, e ainda por cima como profissão? Estou falando, sobretudo, de defensores de direitos humanos, jornalistas, repórteres, ativistas, que estão permanentemente expostos a notícias negativas e denúncias populares para realizar seu trabalho.

Muitas empresas da área de mídia e outras relacionadas a redes sociais decidiram abandonar o X (antigo Twitter) durante 2024 porque, segundo elas, seu modelo de negócios mudou para a disseminação de desinformação, discurso de ódio e se tornou um local altamente inseguro para discutir e se expressar. Teme-se que o mesmo aconteça com as atualizações de políticas do Meta, que decidiu remover o passo de verificação de fatos de sua moderação, alegando que era uma ferramenta de censura.

Essa questão claramente não termina com o exílio de uma plataforma ou outra. O que está acontecendo é que esse clima adverso de polarização, desconfiança e desencanto está tomando conta também de nossas democracias. Não podemos separar a atmosfera digital da “real”.

E assim, muitos de nós nos perguntamos: como podemos lidar com essa exposição constante à desgraça e à violência sem cair no desespero? O que podemos fazer, como criadores de conteúdo ou como público, para navegar esse ecossistema hostil de informações, sem abandonar os espaços onde essas conversas importantes acontecem para crescermos como sociedade?

As reflexões que compartilho com vocês aqui foram geradas por jornalistas e ativistas presentes na oficina co-facilitada pela Vita Activa e pela The Engine Room, chamada “Cuidado coletivo e individual em nossas iniciativas, rumo à resiliência digital”.

Paralisia informacional e falta de esperança

Para entender a importância em nível macro dessas preocupações, o conceito de “fadiga do apocalipse” do psicólogo e economista Per Espen Stoknes é útil. Essa fadiga surge quando somos constantemente expostos a mensagens assustadoras e sem esperança que despertam nosso estado de sobrevivência. Em seguida, ficamos exaustos e tentamos evitar pensar em questões sociais porque elas parecem grandes demais, complexas demais ou distantes demais no tempo para serem tratadas com eficácia. Nossa disposição para reagir é reduzida e nos conformamos com o fato de que tudo simplesmente continuará igual. Isso se parece um pouco com o seu consumo das redes sociais nos últimos meses?

Ao mesmo tempo, as plataformas são criadas para serem viciantes, para “sequestrar” nossa atenção a todo custo; e seus algoritmos são feitos para viralizar o conteúdo mais chocante, com mais interação, independentemente de ser falso ou prejudicial à nossa saúde coletiva. Portanto, o que é recompensado nesses espaços é a polêmica, que gera discussão e disseminação sem reflexão. No longo prazo, isso gera cada vez mais polarização, e não uma conexão com a diversidade. Pelo contrário, desestimula o debate e o consenso social. Na verdade, as redes (e a mídia tradicional) construíram uma visão de que “o mundo não tem conserto” e que os “lados” não têm pontos em comum. Alguns estudos indicam que aqueles que consomem mais notícias veem o mundo como pior, mesmo que ele esteja melhorando constantemente em termos de direitos humanos.

Um dia para nos cuidar e conectar

Durante nossa reunião em Santiago do Chile, nos propusemos a encontrar algumas propostas sobre como restaurar os ecossistemas de informação como lugares seguros e habitáveis. Nossa oficina foi um espaço cheio de risos, movimentos, reflexões profundas e o desejo de cuidar. Planejamos cada momento para que as emoções fossem as protagonistas, pois elas moldam nossas experiências nesse ecossistema de informação que, como vimos, muitas vezes é projetado apenas para nos fazer sentir medo, raiva e desconexão entre nós.

Iniciamos a oficina com um exercício criativo. Cada participante escreveu, em forma de ficção, como é uma segunda-feira típica em sua vida. Algumas se reconheceram como super-heroínas que usam uma capa em algum momento do dia para ajudar os outros, outras como seres de outro planeta que colocam um capacete para fazer a conexão entre os mundos digitais e analógicos.

A maioria de nós concordamos que o início da semana geralmente é caracterizado pela ansiedade. A segunda-feira começa cheia de assuntos inacabados e com a sensação de que talvez você não consiga fazer tudo, mas, no final, deve conseguir. Além disso, você acha que o que fez ontem já está ultrapassado e não gera nenhum impacto socialmente relevante.

A identificação das emoções que permeiam nossas rotinas ficou muito mais fácil com o uso da roda das emoções como ferramenta. Em um exercício prático, a gente preencheu a roda coletivamente com post-its. Uma das participantes comentou: “Quando escrevi meu dia e coloquei minhas emoções na roda comum, percebi que passei mais tempo na frustração do que na esperança”.

Em outro momento da oficina, refletimos sobre como a polarização e os algoritmos contribuem para a fadiga emocional e exploramos ferramentas práticas para o autocuidado e o cuidado comunitário. Uma das participantes observou: “Cuidar de mim mesmo não é egoísta, mas necessário para continuar”.

Algumas pessoas participantes, nesse sentido, reconheceram como o trabalho pode ser um refúgio, mas também uma fonte de exaustão. “Quando leio as notícias de manhã cedo, me sinto insegura e ansiosa, mas depois, trabalhando com organizações, recupero um pouco de otimismo”, disse uma das ativistas. No entanto, também observaram os desafios de equilibrar o trabalho e a vida pessoal: “Minha casa é meu escritório e as reuniões virtuais nunca terminam. Nunca tenho tempo para mim.

A oficina deixou muitas reflexões sobre como os ecossistemas de informação amplificam emoções como a raiva e a frustração. Uma das repórteres confessou: “É exaustivo pensar que, como jornalistas, lidamos com as mesmas questões repetidas vezes, mas nada parece mudar”.

Além disso, a sobrecarga de notícias e a pressão nas redes sociais agravam esse esgotamento. “O ecossistema é permeado por opiniões constantes. Os comentários nas redes sociais se tornaram espaços de ataque, e isso afeta nosso relacionamento com o público e com nós mesmas”, disse outra jornalista.

Para relaxar com um pouco de humor, no final do exercício usamos memes para responder perguntas-chave sobre como cuidar de nossas emoções em nossas esferas de trabalho e ativismo.

Então, como poderia ser um ecossistema de informação mais encorajador e sustentável para jornalistas?

Ao reimaginar nossos cenários, projetamos ecossistemas onde:

  • Há espaços para falar sobre saúde mental e o impacto das emoções.
  • Prevalecem narrativas esperançosas e alternativas.
  • Praticamos formas de ativismo que não nos esgotam, mas nos nutrem e nos permitem crescer sem culpa.

Embora os desafios sejam enormes nesse contexto sociopolítico, há muitas razões para continuar lutando por melhores ecossistemas de informação por meio do amor, da esperança e, acima de tudo, de estratégias coletivas que nos permitam sustentar essas práticas diariamente.

Somos uma linha de apoio gratuita, anônima e confidencial. Oferecemos apoio emocional e psicológico a jornalistas, ativistas e usuários da internet que estejam sofrendo de estresse, esgotamento, fadiga crônica e/ou violência digital. ????

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