Autor: Olivia Johnson
11 de abril de 2024

No dia 5 de março realizamos a terceira chamada comunitária para o nosso projeto dedicado ao fortalecimento e a criação de ecossistemas de informação saudáveis na América Latina e no Caribe. Ao pensarmos sobre as necessidades de informação e acessibilidade para este trabalho, também refletimos sobre esses processos internamente. Para essa chamada, decidimos realizar o evento simultaneamente em espanhol e português, contando com uma intérprete, para receber nossas palestrantes e o público da melhor maneira possível.
Esta chamada comunitária foi intitulada “Sonhos de uma infraestrutura coletiva para ecossistemas de informação na América Latina”. O tema foi inspirado em conversas que temos tido sobre a exclusão de grupos historicamente marginalizados no ecossistema de informação, e sobre iniciativas que se dedicam a atender às necessidades de informação de comunidades indígenas e afrodescendentes. Mais de 20 participantes de nove países da região se juntaram a nós para participar de um painel de discussão com:
- Isapi Rúa, da Red Chaco, da Bolívia
- Melquiades (Kiado) Cruz, da iniciativa INDIGITAL, do México
- Amarilys Llanos, do Movimiento Cesar sin Fracking y Sin Gas, da Colômbia
- Oscar Parra, do Rutas del Conflicto, da Colômbia
- Nina Vieira, curadora do Juízas Negras Para Ontem, do Brasil
Somos gratos a todas as pessoas que dedicaram seu tempo para compartilhar seus sonhos, iniciativas e experimentos no que diz respeito ao trabalho coletivo para obter ecossistemas de informação mais saudáveis. Neste blog, compartilharemos as principais conclusões desta chamada comunitária.
A justiça climática deve estar no centro da criação de ecossistemas de informação mais fortes
Várias pessoas participantes do painel enfatizaram a importância de considerar as implicações ecológicas da infraestrutura em desenvolvimento. Ao discutir a acessibilidade à internet para comunidades indígenas no México, Kiado Cruz, da iniciativa INDIGITAL, do México, nos lembrou que devemos ter em mente a justiça climática: No desejo de construir uma infraestrutura mais robusta, ele nos recordou que também devemos considerar as repercussões eco-políticas dessas ações. Ele propôs conceitos como a reciclagem da infraestrutura e a análise das estruturas existentes para gerar novos conteúdos e ideias.
Amarilys Llanos, do Movimiento Cesar Sin Fracking y Sin Gas, da Colômbia, também alertou contra a adoção de práticas extrativistas nos esforços para expandir os direitos digitais. Ela explicou que deve haver um equilíbrio para garantir o acesso à informação e, ao mesmo tempo, considerar o desenvolvimento de tecnologias e a demanda por minerais que seriam necessários para atingir esse objetivo.
Amarilys nos compartilhou um exemplo visual de como a história e a identidade de um território podem ser apagadas no processo de introdução da tecnologia. Em seu departamento (equivalente a estado no Brasil) de Cesar, uma região próxima à Sierra Nevada, ela nos disse: “Estou aqui, e na minha frente está a Sierra Nevada de Santa Marta. Vejo diante de mim a cadeia de montanhas, agora marcada por uma serra repleta de torres de telecomunicações. O morro, que antes era conhecido pelo seu nome, agora é chamado de ‘El Cerro de las Antenas’ (“O Morro das Antenas”). De alguma forma, a chegada da tecnologia ressignifica até mesmo a forma como identificamos nossos ecossistemas”.
Essa conversa serviu como um bom lembrete de que, ao buscar ampliar o acesso a informações e notícias, é necessário considerar diversas questões ecológicas e ambientais. Além disso, a tecnologia digital não é a única solução quando se trata de criar fluxos de informação mais eficientes.
O Acesso significativo a informação ainda é uma barreira essencial
Um dos principais focos da chamada foi conversar sobre as necessidades de informação, incluindo dispositivos e acesso à banda larga, para muitas das comunidades com as quais as palestrantes trabalham. Kiado (Iniciativa INDIGITAL) nos contou como a exclusão digital e a falta de tecnologia, dispositivos e serviços de internet acessíveis continuam afetando as comunidades indígenas no México. Ele também destacou a questão dos custos como uma barreira importante, já que as comunidades rurais pagam um preço muito mais alto por um serviço de baixa qualidade, quando comparado com as regiões urbanas.
Isapi Rúa, da Red Chaco, da Bolívia, compartilhou como a falta de infraestrutura (incluindo banda larga e eletricidade) fez com que as pessoas só conseguissem acessar informações “pouco a pouco” em alguns casos. Isso é particularmente verdadeiro para as comunidades indígenas no país, especialmente quando se trata de acessar informações ambientais. Garantir um acesso significativo que inclua a justiça linguística e conteúdos específicos para cada contexto são elementos importantes para a criação de ecossistemas de informação mais saudáveis e inclusivos.
Amarilys Llanos (Movimiento Cesar sin Fracking y Sin Gas) abordou temas de extrativismo e dimensões de poder econômico durante a conversa sobre quem tem acesso à internet e à tecnologia. Ela nos contou como até mesmo falar sobre acesso à informação pode ser visto como chiste ou piada, já que, em alguns casos, as pessoas não têm absolutamente nenhum acesso e, em outros casos, mesmo quando têm acesso, esse acesso é condicionado e ajustado para disseminar as narrativas dominantes daqueles que detêm o poder econômico e/ou político.
Oscar Parra, do Rutas del Conflicto, da Colômbia, acrescentou que em algumas áreas as pessoas só têm acesso às estações de rádio da polícia e do exército. Criar narrativas que vão além dos dados oficiais do governo, por meio do jornalismo de dados, além de coletar testemunhos de vítimas e promover narrativas participativas são algumas das maneiras pelas quais a Rutas del Conflicto está suprindo as necessidades de informação, quando se trata de conflito armado e resistência.
Tecendo tradições culturais e orais com tecnologias
Ao longo de nossas entrevistas, muitas pessoas usaram o verbo tejer – “tecer” – para descrever elementos de colaborações e coalizões. Nessa chamada, Isapi trouxe a ideia de tecer o trabalho da mídia alternativa com o das comunicadoras indígenas e pessoas que utilizam a comunicação como ferramenta para capacitar suas comunidades a defender seus territórios. Ela enfatizou o conhecimento indígena como a chave para a resolução de muitos problemas sociais relacionados à saúde e à educação.
Oscar (Rutas del Conflicto) também enfatizou a importância de valorizar as tradições orais na narração de histórias, pois um elemento crucial de seu trabalho é a geração de diálogos com as comunidades com as quais trabalham. Às vezes, as tradições orais podem ser descartadas quando se discute o acesso à infraestrutura de mídia, mas há muitas formas de disseminar e compartilhar conhecimento que vão além das tecnologias. No trabalho do Rutas del Conflicto, eles se utilizaram de caminhadas ecológicas, visualizações de dados e teatro para transmitir e trocar informações.
Diversas formas de compartilhar informações, especialmente em espaços físicos, podem ser poderosas na divulgação de mensagens. Nina Viera (Juízas Negras Para Ontem), apresentou um vídeo da campanha participativa que ela ajudou a organizar, quando coordenaram exposições de arte em ruas de todo o país para criar uma mobilização em torno da demanda de ter a primeira juíza negra do Brasil no Supremo Tribunal Federal.
Esse trabalho é particularmente disruptivo e importante, dado que o governo brasileiro é majoritariamente branco e dominado por homens. A Juízes Negras Para Ontem reproduziu murais com obras de arte de 24 artistas em várias cidades, chamando a atenção da mídia. Nina nos contou que o uso da arte e da ação coletiva fez com que uma questão muito importante para os movimentos sociais fosse discutida na mídia tradicional e se tornasse parte do “imaginário” nacional. Esse projeto utilizou o espaço físico (bem como o espaço multimídia) para conscientizar novos públicos sobre a questão, invocando novas representações de mulheres negras na mídia e provocando conversas públicas.